domingo, 2 de agosto de 2020

Crónica de Pedro Alvim no Diário de Lisboa de 20/9/90

QUE HORAS SÃO NA ALDEIA...?

Acordou, num repente, ao  som do relógio do campanário da igreja: uma só badalada,
desfeita por toda a aldeia, um silêncio escuro a cobri-lo da cabeça aos pés.
    "Que horas serão...?" -pensou , no descanso das férias, o verde do Minho totalmente
escondido dos seus olhos.
     "Bem-continuou intimamente a monologar-tanto pode ser uma hora como meia hora
de qualquer hora desta madrugada tão quieta... Ora eu deitei-me era quase meia noite.
Será meia-noite e meia hora...?
      Divertido, os pés encavalitados um no outro, a nuca sob as mãos, decidiu-se esperar
por nova badalada. E a rir-se muito para dentro de si: "Bastava acender a luz e pegar
no meu relógio de pulso. Mas não! Férias são férias-e assim é que está bem!
Sou mesmo doido de todo..."
      Esperou, um cigarro nos lábios, o cinzeiro sobre o peito-e, novamente de surpresa,
o relógio do campanário atirou com nova badalada pela aldeia fora.
 E ele amachucando o cigarro no cinzeiro.
       " Ora vejamos... Se há pouco ouvi uma badalada,e pensei que era meia noite
e meia hora, agora ouvindo esta nova badalada, só posso concluir que é uma hora.
   Sentou-se na cama, arrumando cinzeiro e cigarro na mesinha de cabeceira, os olhos
interrogando a escuridão do quarto:  "Mas não! A primeira badalada que ouvi bem
poderia ser a da uma hora-e  esta última a da uma hora e meia... Pois é: só quando
aquele estupor de relógio soar novamente é que saberei, na verdade, que horas são!
      Esperemos...  Deitou-se, o lençol pelo peito,os olhos no tecto invisível- e adormeceu,
a  atenção fatigada, sem ter sabido as horas daquela quieta madrugada.